sexta-feira, 5 de agosto de 2011

SOBRE PROBLEMAS NA JUSTIÇA

30 anos Advogado

Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República
Problemas na justiça são um problema da democracia e da realização do Estado de Direito democrático.
Sexta 5 de Agosto de 2011

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
A situação que se vive na justiça portuguesa é uma triste imagem da realidade de declínio nacional e degradação das instituições democráticas que se vem agravando de forma acentuada nos últimos anos.
Os cidadãos encaram o sistema de justiça com cada vez maior desconfiança e vêem-se crescentemente impedidos de recorrer aos tribunais para exercer os seus direitos por impossibilidade de suportarem os custos com a justiça.
Os magistrados são permanentemente sujeitos a um fogo cerrado que amplia todo e qualquer vício ou erro individual mas ignora as constantes tentativas de limitação da sua autonomia ou independência e finge não ver a partidarização da orgânica judiciária.
Há por todo o país milhares de advogados com milhões de euros de honorários em dívida por serviços prestados no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito que ameaçam abandonar o sistema, deixando de garantir uma função essencial para que os cidadãos de menores recursos económicos possam aceder ao Direito e aos tribunais.
As condições de realização da investigação criminal e os meios que lhe são destinados não garantem a sua eficácia e sacrificam as condições socio-profissionais dos agentes incumbidos de a concretizar.
A informatização dos tribunais e do sistema de justiça, concebida muitas vezes de forma apressada e irreflectida mais a pensar na projecção mediática dos membros do Governo que na melhoria do sistema, continua a ser fonte de constrangimentos e de insegurança no trabalho dos operadores judiciários e de outros profissionais jurídicos.
Estes deviam ser sinais de alarme suficientemente preocupantes e graves para que também em matéria de política de justiça se concretizasse uma profunda ruptura com as opções que vêm sendo feitas.
No entanto, a atitude daqueles que chegados ou vindos do poder se recusam a discutir o passado e avaliar políticas perpetua e agrava invariavelmente o rumo de comprometimento do funcionamento da justiça e dos tribunais.
Os espíritos ditos reformistas dos responsáveis governamentais rapidamente se transformam em assombrações conservadoras das mesmas velhas políticas que diziam querer superar. Os discursos governamentais cheios de vontades novas e ambições invejáveis acabam irremediavelmente contrariados pelos compromissos inconfessáveis que continuam a moldar as políticas concretas.
A justiça portuguesa é cada vez mais uma justiça de classe que permite a impunidade dos poderosos, que protege os grandes interesses económicos, que é ineficaz no combate à corrupção e inacessível aos cidadãos para exercício dos seus direitos.
Esse é o resultado das concepções neo-liberais que também em matéria de política de justiça vão fazendo avanços.
Não é nem mais nem menos que isso, aliás, o que se prevê em matéria de justiça no Memorando de submissão do país aos ditames do FMI e da UE.
Ali está expressa com toda a clareza a perspectiva neo-liberal que concebe a justiça e os tribunais como uma longa manus do poder económico destinada a satisfazer e proteger os seus interesses e, se possível, como mais uma área de negócio a explorar.
A perspectiva do Memorando é afinal a do aprofundamento da errada orientação que os governos portugueses têm dado à política de justiça no sentido da sua privatização e mercantilização e que nos conduziu, por exemplo, à situação que hoje conhecemos em matéria de arrendamento de imóveis pelo Ministério da Justiça e de gestão do parque prisional.
Durante anos o PCP confrontou o Governo, Orçamento de Estado após Orçamento de Estado, com os milhões de euros gastos pelo Ministério da Justiça em arrendamento de imóveis em prejuízo do erário público e do bom funcionamento da justiça.
Durante anos, Governo após Governo, ouvimos as mais variadas e descabidas justificações para a irracionalidade daqueles gordos negócios de arrendamentos feitos à custa do Estado.
Durante anos propusémos que aquela irracionalidade fosse substituída por uma política criteriosa de investimento público que permitisse a poupança dos recursos do Estado mas foi sempre mais forte a perspectiva de quem defende que a justiça pode e deve ser um negócio.
Na gestão do parque prisional, a orientação mercantilista fez-se igualmente sentir mas aqui com consequências que podem vir a ser ainda mais graves.
Em 2008 o anterior Governo abriu portas ao negócio no parque prisional com a apresentação de um programa de reforma que previa até 2013 a alienação e encerramento de alguns dos estabelecimentos prisionais que se encontravam em funcionamento e a construção de 3 novos estabelecimentos.
Passados três anos e vários percalços nos concursos para a construção dos novos estabelecimentos, o Estado alienou estabelecimentos prisionais que continua a ocupar e pelos quais passou a ter que pagar renda, reduzindo a capacidade de reclusão e provocando a sobrelotação dos estabelecimentos em funcionamento.
Para além dos óbvios prejuízos financeiros que daqui resultam e de mais um chorudo negócio de arrendamento à custa do Estado, esta situação encerra uma outra preocupação para a qual chamamos desde já a atenção da maioria e do Governo.
A situação de sobrelotação dos estabelecimentos prisionais gera deficientes condições de alojamento para os reclusos mas também dificuldades de segurança e degradação das condições de trabalho, em particular para o efectivo do Corpo da Guarda Prisional.
Considerando que, ao contrário do que estava previsto, não se iniciou o curso de formação de novos Guardas Prisionais, e que em 2011 e 2012 haverá aposentações em número significativo daqueles guardas, torna-se urgente que o Governo tome medidas no sentido de evitar a ruptura do sistema prisional.

SenhorPresidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Com a degradação do sistema de justiça escancaram-se as portas à lei do mais forte, satisfazendo os interesses daqueles que com melhores condições económicas estarão também em melhores condições de impor as suas regras.
O triunfo dessas concepções neo-liberais em matéria de política de justiça significaria portanto a degradação da democracia.
Os problemas que o sistema de justiça enfrenta não podem e não devem ser confinados à sua dimensão económica ou financeira. Eles são um problema da democracia e da realização do Estado de Direito democrático.
O compromisso que o PCP assume é, por isso, o de contribuir para a resolução dos problemas da justiça com a perspectiva do aprofundamento e da consolidação do regime democrático, é o compromisso com a Constituição de Abril.