sábado, 11 de maio de 2013

Sobre as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens



O Grupo parlamentar do PCP apresentou no passado dia 9 de Maio na Assembleia da República um projecto de Lei que garante as condições materiais e humanas para o cumprimento efectivo do papel das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens

Projecto de Lei N.º 411/XII/2

Garante as condições materiais e humanas para o cumprimento efetivo do papel das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens

Quinta 9 de Maio de 2013

Preâmbulo
I
Conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa (Artigo 69.º), cabe ao Estado e à sociedade proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral”, designadamente contra todas “as formas de abandono, de discriminação, e de opressão”. A todas as crianças deve ser assegurado, o direito à proteção e a cuidados especiais, o direito ao amor e ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem desejadas, à integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação.

Contudo, e pese embora a vigência de direitos fundamentais em forma de lei, a vida quotidiana de milhares de crianças no nosso país é hoje marcada por múltiplas formas negação de efetiva violência, discriminação e exclusão social.

Importa recordar que em Portugal, só a partir da Revolução de Abril de 1974, com a conquista e consagração legal de um sólido corpo de direitos económicos e sociais, teve início o caminho de construção e garantia dos direitos das crianças e jovens, nas suas múltiplas dimensões e de forma transversal.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela ONU em 1959, mas só com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança aprovada em 1989, ratificada por Portugal no ano seguinte, a Criança passa a ser considerada como cidadão dotado de capacidade para ser titular de direitos.

Hoje, vivemos tempos onde a violência da crise económica e social que destrói o país tem atingido as crianças e jovens de forma particularmente dramática.

Cada vez mais famílias têm dificuldades em cumprir as necessidades básicas das crianças com alimentação, vestuário, habitação, material escolar e cuidados de saúde. Há fome na escola porque há fome em casa, o encerramento de empresas, salários em atraso, desemprego, cortes nos apoios sociais, no subsídio de desemprego, abono de família, rendimento social de inserção marcam o dia de muitos milhares de famílias.

II

O Partido Comunista Português tem apresentado diversas iniciativas legislativas visando a responsabilização do Estado na promoção das políticas laborais e sociais que assegurem o direito dos pais e das famílias a concretizar os direitos das crianças, bem como a necessidade de realizar medidas de prevenção e combate à pobreza infantil e das situações de risco.

Recentemente o PCP apresentou um conjunto de iniciativas legislativas de defesa e cumprimento dos direitos das crianças e jovens , particularmente importantes num contexto de profundos retrocessos económicos e sociais. Infelizmente, a sua rejeição pela maioria parlamentar PSD e CDS inviabilizou qualquer possibilidade de avanço legislativo.

Entretanto, o Partido Comunista Português acompanha com profunda atenção as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) em Risco desde o momento da sua criação.

Ao longo dos 14 anos da aplicação da Lei n.º 147/99, o PCP tem vindo a observar e analisar os impactos do trabalho desenvolvido pelas CPCJ, os avanços registados, o universo da sua ação, as principais dificuldades e obstáculos, a tipologia de problemáticas sinalizadas, a exigência e complexidade dos processos, o contexto socioeconómico de fundo, as condições materiais e humanas de funcionamento.

Tal acompanhamento justificou a apresentação de uma iniciativa legislativa do PCP em 2005 de revisão e aperfeiçoamento da Lei n.º 147/99, resultou de diversas reuniões realizadas com CPCJ em diversos pontos do país.

O PCP apresentou um requerimento na Comissão de Segurança Social e Trabalho da Assembleia da República que tendo sido aprovado, possibilitou a 29 de Janeiro a audição do Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco para apresentação do Relatório Anual da Atividade das CPCJ de 2011.

Neste Relatório é afirmado que:

• “As CPCJ referem algumas necessidades por satisfazer: Apoio Administrativo; Apoio técnico; Viatura de uso exclusivo, Equipamento Informático suficiente; Instalações Próprias; Melhoria de instalações e mobiliário; Telemóvel; Telefone e fax privativos”;

• “As CPCJ identificam como principais dificuldades a escassez de técnicos, a falta de respostas sociais e a não priorização do trabalho na CPCJ pelos serviços representados”;

• “A maioria das CPCJ expressa uma opinião negativa sobre a frequência do acompanhamento presencial proporcionado, apontando a necessidade de uma maior regularidade do acompanhamento presencial. De salientar que o acompanhamento presencial faz-se intensivamente e sempre que possível, de acordo com os meios disponíveis” .

Exatamente porque vivemos um tempo de surgimento de novas e complexas situações de risco sobre as quais as CPCJ são chamadas a intervir, o PCP realizou recentemente uma reunião de trabalho com estas entidades, onde recolhemos contributos preciosos sobre a análise da situação atual destas estruturas no ano de 2012 e primeiros meses de 2013.

Mantém-se, no essencial, os aspetos negativos registados em 2005: crescente número de processos; significativa falta de técnicos a tempo inteiro; crescente desresponsabilização de entidades como a Segurança Social; ausência de estruturas de acolhimento temporário e de emergência; ausência de respostas de trabalho com as famílias. Contudo, estes aspetos são agora agravados por uma dramática realidade económica e social com impactos muito negativos na vida familiar, potenciando o aumento dos fatores de risco associados à pobreza e exclusão social.

O aumento exponencial do desemprego (7,6% em 2005; 17% em 2012), os baixos rendimentos das famílias e os cortes nos apoios sociais criaram condições de alargamento da pobreza a novos segmentos da população. Como consequências desta realidade, assiste-se ao aumento do número de situações carências alimentares graves e fome; situações de abandono escolar; novos casos de crianças em situação de mendicidade; agravamento das situações na área da saúde mental da família e das crianças; aumento da violência física e psicológica sobre as crianças e jovens.

Constitui expressão desta mesma situação de degradação profunda das condições económicas e sociais das famílias o aumento significativo do número de processos instaurados e reabertos.

Quanto às condições de funcionamento das CPCJ’s e de acompanhamento dos processos regista-se:


• Crescente complexidade e exigência no acompanhamento dos processos;
• Significativa falta de técnicos a tempo inteiro nas comissões restritas, com prejuízo na salvaguarda da natureza multidisciplinar das equipas;
• Crescentes dificuldades para os serviços de origem disponibilizarem tempo aos respetivos profissionais que integram as comissões restritas, devido à diminuição de efetivos, designadamente no Ministério da Solidariedade e Segurança Social e no Ministério da Saúde;
• Prejuízo para os professores em serviço nas CPCJ, no âmbito da avaliação de desempenho docente;
• Escassez de meios técnicos, designadamente com disponibilidade de tempo para acompanhar de forma regular, efetiva e integrada cada processo, com prejuízos evidentes para a qualidade das avaliações diagnósticas e do acompanhamento na execução de medidas de promoção e proteção;
• Degradação e desadequação das condições materiais de alguns edifícios onde funcionam CPCJ;
• Falta de respostas sociais que permitam um trabalho integrado com as famílias de origem das crianças e jovens sinalizados, evidenciando a fragilidade atual das entidades que asseguram esta resposta social (seja ao nível da redução do financiamento dos projetos destas entidades, seja ao nível da diminuição dos meios humanos disponíveis);
• Grave carência de estruturas de acolhimento temporário e de emergência;
• Crescente responsabilização das Câmaras Municipais na dinamização das comissões restritas;
• Falta de respostas de acolhimento temporário e de instituições para receber rapazes a partir dos 12 anos.

Apesar do trabalho dedicado e empenhado da generalidade dos intervenientes nas CPCJ, e em particular dos membros que integram a Comissão Restrita, do trabalho realizado na área da prevenção e dos esforços para um trabalho coordenado e articulado com as instituições da comunidade, a violência da situação económica e social e a falta de meios humanos esmaga a capacidade de intervenção efetiva de muitas CPCJ.

Por todas estas razões o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, considera imperativo proceder a alterações à Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99) quanto aos seguintes aspetos:


• Efetiva responsabilização e assinatura de protocolos com os Ministérios da Solidariedade e Segurança Social, Educação e Saúde no destacamento obrigatório de técnicos com atribuição de um tempo mínimo nunca inferior a 17h semanais;
• Reforço do número de técnicos por proposta fundamentada do presidente da CPCJ, através de destacamento de técnicos da Segurança Social, sempre que seja excedido o rácio de 1 técnico por cada 50 processos ativos;
• Definição do quadro financeiro do seu funcionamento através de transferência de verbas do Orçamento do Estado;
• Obrigatoriedade de publicação do relatório anual de cada CPCJ, até 31 de Março do ano seguinte àquele a que respeita, clarificando e tipificando as problemáticas identificadas e as suas causas;
• Clarificação da competência territorial, em caso de institucionalização do menor;
• Envio do Relatório Anual de Avaliação das CPCJ pela Comissão Nacional à Assembleia da República, até 31 de Maio;
• Apreciação no plenário da Assembleia da República do Relatório Anual em sessão a realizar com a presença obrigatória do Governo.

Estas propostas visam reforçar as CPCJ enquanto instrumentos de prevenção e intervenção eficaz face às situações de risco que afetam as crianças e jovens. Sabemos que este é apenas um passo no caminho maior de erradicação da pobreza, de progresso e justiça social. Da parte do PCP, defenderemos todos os passos necessários para a defesa da dignidade da vida destas crianças e da defesa do regime democrático.

Nestes termos os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:


Artigo 1º
2ª Alteração à Lei nº 147/99, de 1 de Setembro

Os artigos 9º, 14º, 20º, 32º, 79º e 95º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2003, de 22 de agosto passam a ter a seguinte redação:


Artigo 9º
Consentimento

1.    Redação atual.

2. Se, por força do disposto no número anterior, o consentimento deva ser prestado pelo próprio causador da situação de risco para a criança ou jovem, as Comissões de Proteção intervêm, independentemente de consentimento, devendo comunicar ao Ministério Público, no mais curto espaço de tempo.


Artigo 14º
Apoio logístico


1. Redação atual.
2. Cada Comissão de Proteção terá um fundo de maneio, à responsabilidade do seu Presidente, atribuído pelo Orçamento de Estado, atualizado em função do número de processos, num rácio a regulamentar posteriormente pelo Governo, ouvida a Comissão Nacional.
3. Anterior nº2.


Artigo 20º
Composição da comissão restrita


1. …
2. …
3. …
4. …
5. …
6. Cada comissão restrita possuirá no mínimo um técnico a tempo inteiro, com exceção para os representantes da Educação e Saúde, sendo aumentado o número de técnicos da Segurança Social em função do número de processos ativos.
7. Para efeitos do número anterior o rácio deverá respeitar a relação de um técnico por cada 50 processos ativos, sendo o destacamento do técnico da Segurança Social objeto de despacho do Ministério da Solidariedade e Segurança Social.
8. O destacamento obrigatório de cada membro da Comissão Restrita, com atribuição de um tempo mínimo nunca inferior a 17h semanais, é baseado na assinatura de um protocolo com as diversas instituições e Ministérios envolvidos (Solidariedade e Segurança Social; Educação; Saúde);


Artigo 32º
Avaliação


1. ...
2. O relatório é remetido à Comissão Nacional, à Assembleia Municipal e ao Ministério Público até 31 de Janeiro, sendo os respetivos resultados objeto de publicação obrigatória num órgão de comunicação social local e/ou regional até 31 de Março do ano seguinte àquele a que respeita.
3. ...
4. ...
5. ...
6. A Comissão Nacional envia à Assembleia da República, até 31 de Maio, o Relatório Anual de avaliação das CPCJ.
7. O Relatório a elaborar pela Comissão Nacional deve tipificar de forma objetiva as diversas problemáticas sinalizadas, e de modo mais objetivo e tipificado na classificação de “negligência”, bem como as suas causas.
8. O plenário da Assembleia da República aprecia o Relatório previsto no n.º 6 em sessão a realizar com a presença obrigatória do Governo.


Artigo 68º
Comunicações das comissões de proteção ao Ministério Público


1. …
c) As situações de indisponibilidade de meios dos serviços ou instituições, por inexistência de recursos ou condições objetivas de garantir a resposta ao menor;
d) Anterior alínea c);


Artigo 79º
Competência Territorial


1. …
2. …
3. …
4. …
5. …
6. Em caso de institucionalização, o acompanhamento da situação será feito pelos técnicos da Instituição em coordenação com a Comissão local de origem do processo.


Artigo 95º
Falta de consentimento


1. As Comissões de Proteção diligenciam junto dos pais, representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto da criança ou do jovem, pela obtenção do consentimento a que se refere o artigo 9º do presente diploma.
2. Na impossibilidade de obterem o referido consentimento, bem como nos casos em que seja expressamente retirado ou houver oposição do menor, nos termos do artigo 10º, a Comissão abstém-se de intervir e comunica a situação ao Ministério Público competente, remetendo-lhe o processo ou os elementos que considere relevantes para a apreciação da situação.


Artigo 2º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo das normas de carácter financeiro cuja vigência se inicia com o subsequente Orçamento do Estado, depois de publicado.

Assembleia da República, em 9 de Maio de 2013